Estão programados para começar ainda neste mês os trabalhos de repatriação de um grupo de micos-leões-da-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas). Eles serão retirados de uma área em Niterói, no estado do Rio, próxima a uma região habitada por outro primata, o mico-leão-dourado (Leontopithecus Rosália), e soltos num trecho de Mata Atlântica no sudeste da Bahia, onde há ocorrência da espécie. Inédita no Brasil, a operação é necessária para evitar que os dois grupos se encontrem, o que seria prejudicial à manutenção de ambas as espécies.
O programa de remoção do mico-leão-da-cara-dourada será conduzido pelo Instituto Pri-Matas para a Conservação da Biodiversidade em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Conservação Internacional, Associação Mico-Leão-Dourado, Instituto Estadual do Ambiente (Inea-RJ), Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ), Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo e Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia. A ação tem o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
A população de micos invasores é de aproximadamente 106 indivíduos, distribuídos em 15 grupos, de acordo com levantamento realizado em 2009, pela pesquisadora Maria Cecilia Kierulff, responsável técnica pelo programa de remoção e diretora do Instituto Pri-Matas. Os micos habitam uma área de mata, próxima a um condomínio residencial, e convivem com os moradores, que os alimentam com frequência. Os primeiros animais foram observados em 2002 e, segundo Cecília, eles foram soltos acidentalmente, numa ação humana.
ARMADILHAS – Para capturar os micos-leões-da-cara-dourada, serão utilizadas armadilhas tendo bananas como iscas. O processo prevê a captura de quatro grupos a cada três meses. Se a população dos invasores tiver aumentado, a previsão é que sejam capturados cinco grupos a cada três meses. Após a captura, os grupos passarão por um período de quarentena e depois serão transportados de avião para Porto Seguro (BA) e, em seguida, de carro para a área de soltura. Este método é conhecido como translocação e reintrodução, uma prática comum entre os pesquisadores que trabalham com micos-leões.
Logo que eles forem soltos, serão monitorados diariamente até os pesquisadores terem certeza de que ficarão bem. “Essa será a primeira vez que vamos realmente fazer um manejo de espécies invasoras no Brasil, seguindo os protocolos para captura, quarentena e soltura para mico-leão”, afirma Cecília. Segundo ela, todo o trabalho deve ser concluído no período de dois anos.
Apesar das diferenças das espécies, o processo de translocação e reintrodução dos micos invasores será parecido com o procedimento adotado por Cecília há 10 anos, quando realizou um trabalho com os micos-leões-dourados. Naquela ocasião, ela encontrou grupos isolados da espécie em fragmentos de florestas, capturou seis grupos e soltou-os numa floresta única – sem micos-leões-dourados, mas dentro da área de ocorrência dos animais. “Hoje a Reserva da União possui 300 indivíduos, segunda maior população da natureza, descendentes dos 42 que foram reintroduzidos no local”, ressalta a professora.
PROBLEMA – O único problema neste processo que será iniciado em Niterói, segundo Cecília, é a possibilidade de a população do mico-leão-da-cara-dourada ter crescido acima do previsto e saído dos limites de Niterói. Se isso tiver ocorrido, os pesquisadores encontrarão dificuldades para capturar todos os animais, pois o monitoramento não seria tão abrangente. Por isso, a captura será bem espaçada, para que seja observado o deslocamento de outros grupos da espécie, com o uso também de um equipamento de playback, uma espécie de aparelho de som que transmite o som dos chamados dos grupos para atrair os micos na área.
Antes de iniciar as capturas, os pesquisadores vão explicar aos moradores da área os motivos da remoção do mico-leão-da-cara-dourada, já visto por muitos como “animais de estimação”. Essas pessoas põem alimentos para os animais nos quintais de suas casas e se afeiçoaram aos micos. Por isso, será realizado um programa de comunicação voltado principalmente para esses moradores, de forma a esclarecer os problemas de se alimentar os bichos e sobre a ameaça que o mico-leão invasor representa para o mico-leão nativo.
PERIGOS – Os grupos de mico-leão-da-cara-dourada estão vivendo a apenas 50 quilômetros de distância de micos-leões-dourado. Além de existirem vários fragmentos de matas pequenos que podem funcionar como ponte conectando as duas populações, grupos de micos-leões podem se locomover em áreas abertas com mais de um quilômetro de extensão.
Se nada for feito, em poucos anos a população de mico-leão-da-cara-dourada vai se expandir até alcançar as populações de micos-leões-dourados. Se isso ocorrer, os animais competirão entre si pela área e também pelo alimento – eles comem os mesmos alimentos, usam o mesmo habitat e os mesmos locais para dormir. Essa competição fatalmente acabaria por excluir uma espécie, que provavelmente seria o mico nativo.
Outro perigo, de acordo com Cecília, é a formação de espécies híbridas, um fenômeno já experimentado em cativeiro, cujo resultado ainda é desconhecido. “Híbridos são sempre um problema e se forem mais resistentes do que os originais podem excluir as duas espécies e se espalhar rapidamente”, explicou. As duas espécies figuram no catálogo oficial da IUCN como ameaçadas de extinção, mas o mico-leão-dourado tem uma população menor. Atualmente são 1,2 mil indivíduos. Já o mico-leão-da-cara-dourada chega a 6 mil.
Ascom/ICMBio
com Eco 21