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quinta-feira, 7 de junho de 2012

APRENDER A CONVIVER COM A SECA

Selvino Heck* Fui criado com água de cisterna: límpida, gostosa, cristalina, fresca o ano inteiro. Toda família de minha avó Gertrudes, mais de dez filhos, os nove de papai Léo e mamãe Lúcia bebíamos dessa a água que jorrava do céu e era recolhida pelas calhas do telhado, cozinhava-se e ainda sobrava água para os gatos e o cachorro na pequena Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul. (Hoje, a cisterna ainda existe, mas sua bomba manual foi retirada e bebe-se água encanada de poço artesiano que beneficia toda comunidade.) Tinha seca de vez em quando. Quando batia o desespero, as lideranças da comunidade e o padre vigário faziam uma procissão na estrada poeirenta. Seja por vontade divina, seja porque a ausência de chuva estava no limite, quase sempre chovia um dia ou dois depois da procissão. Nos últimos dias de maio, a “Folha do Mate”, de Venâncio Aires, estampou as seguintes manchetes. Dia 29: “Situação de emergência é decretada no interior – Grande parte das localidades do interior enfrenta a falta de água. A preocupação levou a administração municipal a decretar situação de emergência no interior. O prefeito Airton Artus também assinou uma série de medidas para evitar o desperdício de água e estimular a economia do consumo no perímetro urbano. A estiagem que perdura desde novembro de 2011 afetou principalmente as localidades do 9º Distrito. A prefeitura já abasteceu propriedades e residências em 640 mil litros de água potável. Para todo o interior já foram destinados mais de um milhão de livros de água”. Dia 30: “Racionamento de água nas mãos dos cidadãos – De nada adiantarão as determinações da prefeitura se a população não auxiliar. Ao decretar situação de emergência, o prefeito assinou também uma série de medidas importantes para economizar água e conter o desperdício na cidade. O interior sofre com a falta de água e logo a cidade sentirá também as dificuldades, pois o nível do arroio Castelhano está no limite”. Dia 31: “Postos de combustíveis estão proibidos de lavar veículos – Além dos postos, a utilização de lava a jatos de uso doméstico, bem como a lavagem de calçadas, telhados e similares estão proibidos. Conforme decreto, o prazo especificado é de 30 dias ou até que se restabeleça a normalidade nos recursos hídricos do município. O racionamento vem comprometendo os serviços essenciais de abastecimento de água à população e aos animais, além da diminuição das reservas hídricas nos mananciais e lençóis freáticos do município, principalmente no interior”. 4 de junho, recebo e-mail de Naidison Baptista, um dos coordenadores da Articulação do Semiárido (ASA): “Boas Notícias - Vocês devem receber o convite hoje à tarde, mas a ministra Tereza Campello estará assinando quarta-feira (6 de junho), em município e comunidade do semiárido, dois termos de parceria com a ASA: um para a construção de cisternas de consumo humano e outro para implementação do P1+2, água para produção. A ministra se deslocará de Brasília para a cidade de São Caetano, Pernambuco. Deverá visitar a propriedade de Ivanilda Maria da Silva Torres, agricultora beneficiada pelas ações da ASA; ela possui duas cisternas – 16 mil litros e 52 mil litros – e outras tecnologias de convivência com o semiárido; a ministra almoçará com os/as agricultores/as, assinará os dois termos em solenidade no município, com a participação prevista de mais de 1000 agricultores. Temos de nos alegrar. Começam a chegar coisas boas no semiárido e mais convivência com o s emiárido. Na Bahia saiu uma chamada de 27.000 cisternas que devem estar contratadas até 23 de junho. E deve sair outra chamada de 1.000 implementações de segunda água. Em Pernambuco já saíram as contratações das entidades e o carro está andando. Tudo isso é basicamente com recurso federal”. 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, a Assessoria de Comunicação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) distribui notícia vinda da ASA: “ASA e MDS fecharão novas parcerias nesta quarta – Serão investidos R$ 138,3 milhões na construção de 40.030 tecnologias sociais que permitem às famílias uma maior resistência aos efeitos da seca. São oito tipos de implementações para guardar água para consumo humano e para produção de alimentos e criação animal. Os dois termos de parceria vão beneficiar diretamente 46.430 famílias agricultoras, atingindo mais de 232 mil pessoas afetadas pela seca. A ação acontecerá em todos os nove estados do Semiárido Legal (do Norte de Minas até o Piauí), alcançando cerca de 230 municípios. O prazo de execução das implementações é de 7 meses e envolverá cerca de 100 entidades da sociedade civil. A construção das tecnologias ocorrerá através dos dois programas da ASA: o P1MC (Programa 1 Milhão de Cisternas), que fará a cons trução de 33.400 cisternas de 16 mil litros, que armazenam água para a família beber e cozinhar, e o P1+2 (Programa Uma Terra e Duas Águas), responsável pelas 7.630 tecnologias de captação de água para produção de alimentos e criação animal como barragem subterrânea, cisterna-calçadão, cisterna de enxurrada, tanque de pedra, barreiro trincheira e bomba d’água popular”. Boas e más notícias no ‘Sul maravilha’ e no ‘Nordeste desértico’, às vésperas da Rio+20 e da Cúpula dos Povos, junho, Rio de Janeiro. E muitas lições: a seca não é uma fatalidade. Em vez de combatê-la, é preciso aprender a conviver com ela. A água que Deus manda precisa ser cuidada e utilizada com criatividade e tecnologias simples e eficientes, como as cisternas. O povo pode e deve se organizar para exigir direitos do poder público e, ao mesmo tempo, auto-organizado, construir o futuro, a justiça e a dignidade. Governo e sociedade podem e devem trabalhar juntos, pelo bem comum. O futuro não pertence a Deus, e sim a um projeto de desenvolvimento capaz de proteger o meio ambiente com inclusão social e igualdade. Acho que vou pedir neste feriadão de Corpus Christi para meu irmão Marino, que mora com mamãe, reabrir a velha cisterna lá de casa, para sentir de novo o gosto da água da chuva - cristalina, gostosa, límpida, fresca o ano inteiro.